A defesa dos policiais militares, réus no processo do caso do massacre do Carandiru, informou nesta sexta-feira (28) que estuda pedir à Justiça a suspensão do julgamento dos acusados de matar os presos da Casa de Detenção marcado para 28 de janeiro de 2013. De acordo com a advogada Ieda Ribeiro de Souza, ela recebeu com “perplexidade” a decisão do juiz José Augusto Nardy Marzagão em designar a data do júri popular somente para 28 dos 79 réus que ela defende no processo de homicídio. No total, 111 detentos foram mortos no dia 2 de outubro de 1992, quando a Polícia Militar entrou no complexo para conter uma rebelião.
A advogada Ieda de Souza analisa a possibilidade de impetrar dois recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pedindo para os desembargadores suspenderem o júri popular enquanto o juiz do caso não marcar as datas dos julgamentos dos demais acusados.
“Não discordo que o júri ocorra no ano que vem. Discordo da forma como foi marcado, sem avisar as partes. Soube da data do júri pela imprensa. E discordo da maneira como será feito. O processo é uno e tinha de colocar todos a júri. Concordo com a sugestão do juiz em fazer a cisão do julgamento devido à quantidade de réus, mas discordo dele só ter designado a data para 28 acusados. É preciso marcar também a data do julgamento dos demais réus para que a defesa possa se preparar”, disse Ieda o G1.
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Recursos
A advogada estuda a possibilidade de ingressar com uma petição de juízo, para pedir para o TJ avaliar a conduta do juiz, e um habeas corpus, requerendo a suspensão do júri de janeiro de 2013 até que o magistrado marque a data do julgamento dos demais réus. "Só irei avaliar se farei isso depois de receber a resposta do próprio juiz. Vou fazer uma petição pedindo esclarecimentos para ele. Dependendo da resposta, darei entrada com os recursos no TJ", afirmou Ieda.
Para a defesa dos réus, o juiz se precipitou em definir a data do júri sem consultar as partes envolvidas, advogados e Ministério Público. “Foi uma decisão precipitada feita apenas para dar uma resposta para a sociedade por conta da demora dos 20 anos para se julgar os demais réus”, afirmou Ieda.
A informação sobre o júri do ano que vem foi divulgada na noite de quinta-feira (27) no site do TJ-SP. Apesar de 111 presos terem sido mortos na incursão da Polícia Militar à Casa de Detenção, na Zona Norte da capital paulista, os 28 policiais deverão responder pelo assassinato de 15 detentos. O critério do juiz do caso para determinar a cisão do julgamento leva em conta a incursão dos policiais em cada um dos cinco andares do prédio.
Em janeiro, deverão ser julgados os PMs que invadiram o segundo pavimento do Carandiru. Apesar do juiz Marzagão trabalhar no Fórum de Santana, o júri foi designado para o Fórum da Barra Funda, na Zona Oeste da capital.
Serão julgados: Ronaldo Ribeiro dos Santos, Aércio Dornellas Santos, Wlandekis Antônio Cândido Silva, Roberto Alberto da Silva, Joel Cantílio Dias, Antonio Luiz Aparecido Marangoni, Valter Ribeiro da Silva, Pedro Paulo de Oliveira Marques, Gervásio Pereira dos Santos Filho, Marcos Antônio de Medeiros, Haroldo Wilson de Mello, Luciano Wukschitz Bonani, Paulo Estevão de Melo, Roberto Yoshio Yoshicado, Salvador Sarnelli, Fernando Trindade, Antônio Mauro Scarpa, Argemiro Cândido, Elder Taraboni, Sidnei Serafim dos Anjos, Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu Teixeira, Osvaldo Papa, Marcos Ricardo Polinato, Reinaldo Henrique de Oliveira, Eduardo Espósito e Maurício Marchese Rodrigues.
De acordo com a defesa dos réus, alguns acusados citados acima não participaram da ação no segundo pavimento. Todos os acusados respondem ao processo em liberdade. Segundo Ieda, seus clientes alegam ser inocentes da acusação de homicídio. “Eles atiraram para se defender. Não houve execução”, disse a advogada.
Ministério Público
Procurado nesta sexta para comentar o assunto, o promotor Fernando Pereira da Silva, representante do Ministério Público, responsável pela acusação contra os réus, afirmou nesta sexta que irá tomar ciência da decisão da Justiça para depois dar seu posicionamento. “É louvável a preocupação do judiciário em designar uma data, mas num julgamento dessa magnitude, todas as formalidades têm de ser observadas. A Promotoria quer que o júri aconteça, mas as garantias da acusação e defesa sejam atendidas, como, por exemplo, a perícia que pedimos para serem feitas nas armas. Por isso, vou analisar se tudo foi cumprido para depois me posicionar”, afirmou Fernando da Silva.
Na decisão que marcou o julgamento, o magistrado disse que a realização da perícia de confronto balístico, que estava pendente no processo, está prejudicada. “Logo, não se mostra razoável insistir numa perícia fadada ao insucesso”, alegou o juiz Martagão em seu despacho.
Em laudo encaminhado ao juiz em junho deste ano, uma perita relatou as dificuldades em realizar o exame por causa do “lapso de tempo”, que provoca uma maior possibilidade de oxidação nas peças metálicas. E também diz que, para garantir a qualidade da perícia, seriam necessários mais projéteis do que os apreendidos. Segundo o juiz, no mínimo 2.352 projéteis, sendo que foram recolhidos cerca de 160 projéteis e fragmentos.
O G1 encaminhou e-mail para a assessoria de imprensa do TJ-SP questionando o juiz sobre as indagações feitas pela defesa dos réus. Até a publicação desta matéria, o magistrado não havia respondido.
Ubiratan
Até agora, somente o tenente-coronel Ubiratan Guimarães chegou a ser julgado. Em junho de 2001, o comandante da invasão ao Carandiru havia sido condenado a 632 anos de prisão por 102 das 111 mortes. Como nove vítimas fatais foram esfaqueadas, o entendimento da acusação é que essas mortes foram provocadas pelos próprios presidiários.
O oficial da Polícia Militar nem chegou a ser preso. Como tinha sido eleito deputado, passou a ter foro privilegiado. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de SP anulou o júri e absolveu Ubiratan por considerar que a ação foi estritamente legítima. Ele foi assassinado no apartamento em que morava, nos Jardins, em 2006.
Manifesto
Um grupo de entidades sociais, reunido sob o nome “Rede 02 de outubro”, divulgou nesta sexta-feira (28) um manifesto pelo fim dos massacres e contra a “reprodução e aprofundamento das desigualdades que demarcam nossa sociedade”. O manifesto marca o dia 2 de outubro como "dia pelo fim dos massacres" e cobra, do governo do estado e do governo federal, o cumprimento das recomendações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de exigir a abolição dos registros de "resistência seguida de morte" e "auto de resistência".
Entre os grupos que compõem a rede estão a Pastoral Carcerária e o Mães de Maio. Segundo o Padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral, o estado fortaleceu e destacou os envolvidos no massacre. “Não adianta pôr no presídio quem matou outros presos. A primeira coisa seria afastá-los dos cargos, depois dar reparação às famílias”, disse ele.
Um sobrevivente do massacre, presente no evento de divulgação do manifesto, disse não acreditar na Justiça. “Os massacres continuarão acontecendo enquanto quem ocupa os cargos competentes não assumirem seus papéis. [...] o Estado foi omisso”, disse Sidney Sales. O ex-presidiário hoje tem um centro de reabilitação e desintoxicação de jovens, em Jundiaí.
Na terça-feira, dia que marca os 20 anos do massacre, o grupo prepara um ato na Catedral e na Praça da Sé.
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