“Enquanto eu tenho que trabalhar preso, os bandidos que quase me mataram continuam livres pelas ruas”. O desabafo do comerciante Moisés Vilaça de Andrade, de 54 anos, resume a frustração que ele compartilha com familiares e amigos das centenas de pessoas assassinadas em Belo Horizonte, todos os anos.
O índice de inquéritos de homicídios relatados anualmente, ou seja, concluídos pela Polícia Civil, com autoria definida –acusados presos ou não– e encaminhados à Justiça é de 30%. Na capital paulista e em Vitória, o percentual dobra (60%), segundo as secretarias de Segurança Pública de São Paulo e Espírito Santo.
Moisés luta para superar o trauma que teve em 7 de dezembro do ano passado. Naquela noite, dois homens tentaram roubar o dinheiro do caixa do bar aberto por ele há 21 anos no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste. Um deles estava armado. O comerciante não reagiu. Mesmo assim, ele foi baleado na mão esquerda e na barriga.
A crueldade dos criminosos foi muito além. Freguês antigo do bar, o aposentado Antônio Pereira de Souza, de 70 anos, estava sentado próximo ao balcão. “Ele se levantou e disse ‘não faz isso não, ele é gente boa’. Quase que à queima-roupa, o bandido deu um tiro no peito do Titonho”, relembra Moisés, se referindo ao apelido carinhoso do aposentado na roda de amigos.
Moisés foi levado para o hospital e se recupera da cirurgia, mas Titonho morreu no local. Os criminosos fugiram sem levar nada. Quase quatro meses depois, a Polícia Civil não tem pistas que possam levar à prisão dos suspeitos. A assessoria de imprensa da corporação sequer soube informar em qual delegacia o caso está sendo investigado. “Eu não acredito mais que eles sejam identificados. Para mim, essa história vai ficar impune”, lamenta o comerciante. Antes de reabrir o bar, ele instalou grades nas entradas, com portão eletrônico, e só permite o acesso de pessoas conhecidas.
O delegado Wagner Pinto, chefe da Divisão de Crimes contra a Vida (DCcV), que concentra as delegacias de homicídio de BH, não tem conhecimento do índice de inquéritos relatados entre os 782 assassinatos registrados na cidade, no ano passado. Segundo ele, o levantamento será concluído até 31 de março. Mas a expectativa é a de que seja semelhante ao de 2010. Embora não tenha apresentado dados absolutos, o policial afirma que 30% dos 641 inquéritos abertos naquele ano foram relatados.
Segundo Wagner Pinto, se considerados os inquéritos de homicídios com autoria definida, mas que continuam tramitando nas delegacias, para que novas provas sejam colhidas, o índice de elucidação, em 2010, sobe para 60%. “São casos em que ainda precisamos ouvir testemunhas, estamos aguardando laudo de local, de necropsia e necessitamos pedir eventual interceptação telefônica”.
O secretário de Estado Extraordinário de Ações Estratégicas do Espírito Santo, André Garcia, afirma que o índice de inquéritos encaminhados à Justiça se manteve em 60% em 2010 e 2011, quando foram registrados, respectivamente, 147 e 127 assassinatos em Vitória. “Adotamos o programa Estado Presente, que entre suas ações inclui a identificação de homicidas. O mapeamento que fizemos mostrou que 30 aglomerados concentram 51% dos assassinados ocorridos no Espírito Santo”.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também não concluiu o levantamento do índice de inquéritos relatados entre os 1.023 homicídios registrados na capital paulista no ano passado. A expectativa é a de que seja superior aos 60% encaminhados à Justiça em 2010, quando houve 1.196 assassinatos na cidade.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro não informou os dados. Em entrevista concedida a uma emissora de televisão, em dezembro do ano passado, o secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, disse que o índice de conclusão na capital fluminense é de 15%.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, diretor de Pesquisas do Instituto Sangari, afirma que em apenas 8% dos inquéritos de homicídios relatados no país o acusado pelo crime é condenado. O instituto coordena, desde 1998, o Mapa da Violência –conjunto de dados sobre criminalidade divulgado todos os anos pelo Ministério da Justiça, em parceria com a entidade.
“A conclusão do inquérito policial não significa que o autor será efetivamente considerado culpado. Há vários filtros entre o boletim de ocorrência e a Justiça. O Ministério Público, por exemplo, pode arquivar o processo por entender que não há provas, da mesma forma que os magistrados”.
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