Em novembro, o Ministério da Justiça lançou o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, que destinará 1,1 bilhão de reais, até 2013, para construção de 42,5 mil vagas no sistema prisional das unidades da federação brasileira. Segundo anunciou o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, a construção e a ampliação das unidades prisionais são necessárias para que as condições do cárcere sejam melhoradas e o dever de tratar as pessoas presas com dignidade possa ser cumprido.
Apesar do investimento, a situação dos cárceres brasileiros permanece em estado de calamidade. Foto: The New York Times
Não é novidade o Governo Federal anunciar grandes investimentos na ampliação do sistema prisional brasileiro. Em 1994 foi criado o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, destinado a financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, entre 1994 e 2009, dos convênios celebrados entre a União e Estados ou Distrito Federal para repasse de verbas do FUNPEN, observa-se a quase exclusividade de investimento na ampliação e construção de estabelecimento prisional: 88,69%, restando 6,61% para aparelhamento; 3,32% para reintegração e capacitação; 1,36% para penas alternativas e 0,01% para ouvidoria. Só para a construção de presídios estaduais, destinou-se R$ 1.830.910.368,64, verba que não inclui o que se investiu para a criação do sistema penitenciário federal, iniciada em 2006, que resultou na construção de quatro penitenciárias de segurança máxima.
Coincidentemente, nesse período aumentaram significativamente os índices de encarceramento no país. Conforme o anuário brasileiro de segurança pública, lançado em novembro passado, em 1995 eram 86.739 os presos sentenciados no sistema prisional. Esse número saltou para 151.980 em 2000 e para 321.014 em 2009. Em menos de quinze anos, a população carcerária mais que triplicou, numa tendência de crescimento não observada antes da criação do FUNPEN. Para se ter uma ideia, em 1959 eram 22.033 os presos sentenciados. Quarenta anos depois, em 1989, esse número ainda estava longe de triplicar, quando alcançou 54.355.
Ao mesmo tempo, apesar do investimento significativo no sistema prisional e do uso quase exclusivo do Fundo Penitenciário Nacional para a ampliação e construção de estabelecimentos prisionais, a situação dos cárceres brasileiros permanece em estado de calamidade. O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída com a finalidade de investigar a realidade do Sistema Carcerário Brasileiro apresentou, em junho de 2008, relatório final onde afirmou que “apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano”. E o Brasil continua a ser sucessivamente punido por tribunais internacionais em razão de violações graves aos direitos humanos cometidos nesses estabelecimentos.
Além disso, a percepção pela sociedade do aumento dos índices de violência e criminalidade continua crescendo. Aumenta-se o investimento em construção de prisões, amplia-se o número de pessoas presas, mas não se observa, como consequência, melhoria dos indicadores de segurança pública.
Se o objetivo é, portanto, tornar as prisões mais dignas e a justificativa da prisão é dar resposta ao problema da segurança, deve-se desconfiar da eficiência do investimento prioritário e isolado na ampliação de vagas no sistema prisional. Caso a tendência observada desde a criação do FUNPEN seja mantida, essas novas vagas servirão para abrigar um novo batalhão de encarcerados, sem grandes impactos nas condições desumanas desses estabelecimentos prisionais e na redução dos índices de criminalidade.
Esse foco da política penitenciária quase exclusivamente na construção de vagas no sistema prisional, sem se buscar visão mais ampla do funcionamento da política criminal brasileira e seu impacto na segurança pública é um vício que precisa ser abandonado. Para se ter uma visão geral do quadro, deve-se entender as razões por que o aumento da população carcerária não tem influenciado na redução dos índices de violência e de criminalidade no Brasil e investir em soluções que impliquem no enfrentamento real do problema da segurança pública.
No discurso apresentado pelo Ministério da Justiça quando do lançamento do referido programa nacional foram apresentados sinais que indicam uma possível ampliação desse foco.
O primeiro deles foi o anúncio da correlação direta entre a criação de vagas e a redução do número de presos sob custódia das polícias. A existência de cárceres em delegacia de polícia, realidade que ainda se observa em vários estados brasileiros, é um grave problema. São nesses estabelecimentos que sistematicamente são identificados casos mais agudos de violações a direitos humanos dos presos. Além disso, essa mistura de polícia com prisão acaba transformando policial, que deveria estar se dedicando a investigações, em carcereiro. Condicionar a construção das vagas à extinção de carceragens em delegacias pode implicar em melhor desempenho das polícias, além de atacar um foco grave de violação a direitos humanos.
O outro foi o lançamento, na mesma ocasião, da estratégia nacional de alternativas penais, que tem por objetivo investir em mecanismos diferentes da prisão que visem à promoção da justiça e da segurança pública. A estratégia reconhece que o enfrentamento do delito passa pelo investimento em políticas que extrapolam a execução penal e que contemplam formas diversificadas de se enfrentar a prática de um delito, como explica documento que lança a política de alternativas penais, disponível na página da coordenação do Ministério da Justiça responsável pelo programa. Com essa visão, ampliam-se os caminhos para encontrar soluções para os problemas da segurança pública e se indica uma saída para que se inverta a tendência de crescimento exponencial da população carcerária.
Agora, é aguardar que esses sinais se convertam em práticas tão concretas como as da arquitetura prisional.
*Fabiana Costa é mestre em direito pela Universidade de Brasília. Promotora de Justiça. Integrante do Grupo Candango de Criminologia.Presidiu a Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas