
Inicio este artigo com uma pergunta: como pode um cidadão ou uma cidadã pedir impeachment e defender a democracia na mesma manifestação sem saber quem é o real vitorioso com a saída da atual presidenta? Não quero defender o governo com esta pergunta, e sim questionar o por que do medo da democracia.
Desde a redemocratização do estado brasileiro e a implementação da Constituição Federal de 1988, uma série de práticas que incluem a participação popular vem sendo experimentada. Tais como o Orçamento Participativo de Porto Alegre, que em 1989 a população definiu, pela primeira vez, como o orçamento municipal deveria ser aplicado pelo prefeito, ou como a organização de Fóruns, audiências públicas, participação de Conselhos e Conferências de Políticas Públicas, etc..
Dentro desse processo de democratização dos espaços se vê um esforço dos governos em garantir que todas as pessoas vivam na democracia e que façam uso das ferramentas do Estado de Direito para participar dela. O impeachment é uma dessas ferramentas, mas a meu ver não é viável na atual conjuntura.
No ultimo domingo (15/03) muitas pessoas saíram de suas casas para fazer do protesto um campo de luta das mais variadas reivindicações. Porém, muitas delas contraditórias para a democracia que vivemos. Faixas e cartazes pautavam do impeachment à volta da ditadura militar, da redução da maioridade penal à pena de morte, do fim do marxismo à morte de Paulo Freire (que já faleceu há alguns anos).
O que mais me chocou foi a imagem de Lula e de Dilma em forma de boneco e boneca enforcados em um viaduto. Lembrei na hora das consequências da ditadura militar e tantos suicídios que foram cometidos por torturados, como no caso do Frei Tito e tantos outros que não suportaram a pressão psicológica das torturas sofridas.
Lembrei de perseguição política e de tantos outros momentos da história que foram marcados com o sangue de homens e mulheres que deram a vida por essa democracia que vivemos hoje. Foi triste ver que muitas dessas pessoas que estavam na rua no dia 15 de março de 2015 xingavam uma mulher, que é nossa presidenta eleita pelo voto do povo, das mais variadas ofensas que mulher nenhuma deve ser chamada. Tristeza tamanha em ver que depois de tantos anos de democracia nós ainda queremos resolver uma falha de democracia sem democracia. E reproduzir um discurso de ódio que não resolve a crise que vivemos.
Bom, e a quem interessa a reprodução desse discurso inflamado de tanto ódio?
Encarando essas ações e pautas de reivindicações tão despolitizadas, vejo que são de interesses dos setores mais reacionários da sociedade. São esses mesmos setores que fazem panelaço gourmetizado dos apartamentos luxuosos das áreas nobres das maiores metrópoles do país, uma falta de senso do ridículo de quem bate panelas de barriga cheia. É um setor econômico que foi capaz de sonegar meio trilhão de reais de Imposto de Renda só no ano passado. Setor esse que está inflamando de ódio por uma possível taxação das ‘grandes fortunas’, que tem que pagar direitos trabalhistas para suas empregadas, mas que também é capaz de desrespeitar o sinal vermelho, andar pelo acostamento, estacionar na calçada, jogar lixo no chão, subornar a polícia, olhar no seu smartphone onde tem lei seca para beber e dirigir e não ser preso, comprar drogas pelo delivery, e capaz de sustentar o tradicional ‘jeitinho brasileiro’ de resolver as coisas.
O problema é que esse setor teve uma derrota eleitoral, que resultou nas mais variadas perdas de privilégios que essa elite sempre obteve. Hoje a cidadã ou cidadão que bate a panela não está indignada só com os erros do governo, mas sim por estar sentindo na sua pele como é disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade.
O fato é que mesmo com as falhas deste governo nunca se viu tanto pobre com carro zero e tanto negro na universidade. A meu ver, democracia não é organizar ato para a saída de uma presidenta legitimamente eleita pelo povo, o nome disso é GOLPE.
Obviamente defendo o direito à manifestação, mesmo que sejam contrárias à maioria das coisas em que acredito, porém, na medida em que a democracia entra em xeque vejo sentimento forte de golpismo surgir por parte daqueles que querem garantir seus históricos privilégios. Essa tentativa de golpe fere diretamente a constituição e a memória desse país, em que muitos deram as suas vidas para que possamos nos expressar livremente nos dias de hoje.
Só lembrar aos amigos e amigas que leem essa coluna que o Brasil tem 56.764 vereadores, 5.570 prefeitos, 513 deputados federais, 81 senadores, 27 governadores e nem tudo que acontece é culpa da Dilma. Quero sim um país sem corrupção, mas quero mais ainda uma Democracia e quer saber? Ditadura NUNCA MAIS!
*Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.
Fonte:http://m.jb.com.br/juventude-de-fe/noticias/2015/03/18/a-quem-interessa-o-impeachment/
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Um espaço verdadeiramente democrático , não limitamos e restringimos qualquer tipo de expressão , não toleramos racismo preconceito ou qualquer outro tipo de discriminação..Obrigado Claudio Vitorino