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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O pensamento de Darcy Ribeiro sobre o negro brasileiro





Darcy Ribeiro foi um dos intelectuais que melhor entenderam o negro no Brasil (Arquivo)


Para Darcy Ribeiro, a possibilidade de existência de uma democracia racial está vinculada com a prática de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das mesmas oportunidades sem qualquer forma de desigualdade.


Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, leia abaixo trechos do livro O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, uma das obras mais relevantes da história do Brasil.

Darcy Ribeiro


CLASSE E RAÇA

A distância social mais espantosa no Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.

Entretanto, a rebeldia negra é muito menor e menos agressiva do que deveria ser. Não foi assim no passado. As lutas mais longas e cruentas que se travaram no Brasil foram a resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição.

Sua forma era principalmente a da fuga, para a resistência e para a reconstituição de sua vida em liberdade nas comunidades solidárias dos quilombos, que se multiplicaram aos milhares. Eram formações protobrasileiras, porque o quilombola era um negro já aculturado, sabendo sobreviver na natureza brasileira, e, também, porque lhe seria impossível reconstituir as formas de vida da África. Seu drama era a situação paradoxal de quem pode ganhar mil batalhas sem vencer a guerra, mas não pode perder nenhuma. Isso foi o que sucedeu com todos os quilombos, inclusive com o principal deles, Palmares, que resistiu por mais de um século, mas afinal caiu, arrasado, e teve o seu povo vendido, aos lotes, para o sul e para o Caribe.

Mas a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e, nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em função de sua total desafricanização. A primeira tarefa do negro brasileiro foi a de aprender a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-lo para poder comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos. Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição de bem semovente, mero animal ou força energética para o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a nova língua, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupi-guarani.


Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República. Mas as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja população se tornara excedente e exportável a baixo preço.

O negro, sentindo-se aliviado da brutalidade que o mantinha trabalhando no eito, sob a mais dura repressão –inclusive as punições preventivas, que não castigavam culpas ou preguiças, mas só visavam dissuadir o negro de fugir– só queria a liberdade. Em consequência, os ex-escravos abandonam as fazendas em que labutavam, ganham as estradas à procura de terrenos baldios em que pudessem acampar, para viverem livres como se estivessem nos quilombos, plantando milho e mandioca para comer. Caíram, então, em tal condição de miserabilidade que a população negra reduziu-se substancialmente. Menos pela supressão da importação anual de novas massas de escravos para repor o estoque, porque essas já vinham diminuindo há décadas. muito mais pela terrível miséria a que foram atirados. não podiam estar em lugar algum, porque cada vez que acampavam, os fazendeiros vizinhos se organizavam e convocavam forças policiais para expulsá-los, uma vez que toda a terra estava possuída e, saindo de uma fazenda, se caía fatalmente em outra.

As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.

A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontraram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos.

BRANCOS VERSUS NEGROS

Examinando a carreira do negro no Brasil, se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução das tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de todos os setores produtivos. Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continua sendo principalmente o de animal de serviço.

Enquanto escravo poderia algum proprietário previdente ponderar, talvez, que resultaria mais econômico manter suas “peças” nutridas para tirar delas, a longo termo, maior proveito. Ocorreria, mesmo, que um negro desgastado no eito tivesse oportunidade de envelhecer num canto da propriedade, vivendo do produto de sua própria roça, devotado a tarefas mais leves requeridas pela fazenda. Liberto, porém, já não sendo de ninguém, se encontrava só e hostilizado, contando apenas com sua força de trabalho, num mundo em que a terra e tudo o mais continuava apropriada. Tinha de sujeitar-se, assim, a uma exploração que não era maior que dantes, porque isso seria impraticável, mas era agora absolutamente desinteressada do seu destino. Nessas condições, o negro forro, que alcançara de algum modo certo vigor físico, poderia, só por isso, sendo mais apreciado como trabalhador, fixar-se nalguma fazenda, ali podendo viver e reproduzir. O débil, o enfermo, o precocemente envelhecido no trabalho, era simplesmente enxotado como coisa imprestável.

Depois da primeira lei abolicionista –a Lei do Ventre Livre, que liberta o filho da negra escrava–, nas áreas de maior concentração da escravaria, os fazendeiros mandavam abandonar, nas estradas e nas vilas próximas, as crias de suas negras que, já não sendo coisas suas, não se sentiam mais na obrigação de alimentar. Nos anos seguintes à Lei do Ventre Livre (1871), fundaram-se nas vilas e cidades do Estado de São Paulo dezenas de asilos para acolher essas crianças, atiradas fora pelos fazendeiros. Após a abolição, à saída dos negros de trabalho que não mais queriam servir aos antigos senhores, seguiu-se a expulsão dos negros velhos e enfermos das fazendas. Numerosos grupos de negros concentraram-se, então, à entrada das vilas e cidades, nas condições mais precárias. Para escapar a essa liberdade famélica é que começaram a se deixar aliciar para o trabalho sob as condições ditadas pelo latifúndio.

Com o desenvolvimento posterior da economia agrícola de exportação e a superação consequente da auto-suficiência das fazendas, que passaram a concentrar-se nas lavouras comerciais (sobretudo no cultivo do café, do algodão e, depois, no plantio de pastagens artificiais), outros contingentes de trabalhadores e agregados foram expulsos para engrossar a massa da população residual das vilas. Era agora constituída não apenas de negros, mas também de pardos e brancos pobres, confundidos todos como massa dos trabalhadores “livres” do eito, aliciáveis para as fainas que requeressem mão-de-obra. Essa humanidade detritária predominantemente negra e mulata pode ser vista, ainda hoje, junto aos conglomerados urbanos, em todas as áreas do latifúndio, formada por braceiros estacionais, mendigos, biscateiros, domésticas, cegos, aleijados, enfermos, amontoados em casebres miseráveis. Os mais velhos, já desgastados no trabalho agrícola e na vida azarosa, cuidam das crianças, ainda não amadurecidas para nele engajar-se.

Assim, o alargamento das bases da sociedade, auspiciado pela industrialização, ameaça não romper com a superconcentração da riqueza, do poder e do prestígio monopolizado pelo branco, em virtude da atuação de pautas diferenciadoras só explicadas historicamente, tais como: a emergência recente do negro da condição escrava à de trabalhador livre; uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.

Florestan Fernandes assinala que “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna”.



Fonte:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/o-pensamento-de-darcy-ribeiro-sobre-o-negro-brasileiro.html

Racismo: Como é ser 1 em cada 10



A exceção, da exceção... da exceção. Quando a cor da pele ainda faz com que o buraco seja sempre mais embaixo (...)




Em 2010, tive a oportunidade de conhecer Paris. Numa tarde durante a minha primeira semana lá, estava esperando o ônibus no ponto de um bairro nobre da cidade. Um homem se aproximou de mim e começou a puxar assunto. Ele perguntou de qual país eu era, o que fazia em Paris, e como eu havia aprendido francês. Meio seca, disse que estudei o idioma durante alguns anos no Brasil, e que estava em Paris para um intercambio acadêmico na Sciences Po. Ele respondeu: então você não sabe sambar?

Fiquei sem reação. Milhares de respostas passaram pela minha cabeça, milhares MESMO. Porém, optei pelo silêncio acompanhado da cara feia de reprovação. Felizmente, o ônibus chegou e foi o cenário de uma das reflexões mais importantes que tive na vida. Durante os minutos daquela viagem, refleti sobre quem eu era, o que eu significava e o que eu representava, preparando-me para quantas vezes mais teria que ouvir aquela pergunta durante o intercâmbio. Quantas mulheres do mesmo porte físico que eu estavam vivendo em situações completamente opostas – e não por serem brasileiras, mas por serem negras?


Sim, eu sei sambar, assim como sei ler, escrever e pensar. Igualmente sei da responsabilidade que, ainda inconsciente, carrego: a responsabilidade de ser uma exceção. Sou aquele “01 a cada 10″ das melhores escolas, das melhores universidades, dos cursos de idiomas. Sou o “01 em cada 10″ dos hospitais particulares. Sou o “01 em cada 10″ do público consumidor de acima de 3 salários mínimos. Sou o “01 em cada 10″ que nunca foi abordado pela polícia.

Do berçário até o fim da faculdade, eu era uma das poucas – ou se não a única- negra da sala de aula. Os meus amigos, em sua grande maioria, são brancos, afinal, compartilhamos da mesma realidade socioeconômica, frequentamos os mesmos lugares e temos os mesmos acessos ao lazer e a cultura. A minha realidade é uma exceção porque a cor da minha pele nunca me impediu de nada, assim como tenho nenhuma recordação de ter sofrido racismo. Simplesmente porque o dinheiro nos torna transparentes.

A diferença era mais berrante quando eu era criança. Cheguei a pensar diversas vezes que as minhas amigas eram mais bonitas do que eu, e que, consequentemente, atraiam mais a atenção dos garotos que eu gostava. Ué, não era a Barbie quem conquistava o Ken?! Eram as protagonistas brancas das novelas que tinham o seu final feliz com o mocinho. Ou seja, eu queria o cabelo das minhas bonecas, e sonhava com um Ken pra chamar de meu no final feliz da minha própria história. Mas a moça negra dos filmes e das novelas era das duas, uma: ou a empregada, ou a pobre.

Conforme fui crescendo, deixei tudo isso pra lá e percebi que a beleza se dá de inúmeras formas. O que passou a incomodar mesmo eram outras coisas como, por exemplo, a pejoratividade implícita no termo “neguinha”- ao contrário de “branquinha”, que não tem uma conotação negativa. Da mesma forma , os homens que me “””””””””elogiam””””””””” ” na rua se referem a mim como morena, demonstrando o eufemismo existente nas palavras morena/moreninha/morena de pele, numa tentativa de não “ofender” o afrodescendente.

Não, não ofende. O que ofende é uma sociedade que insiste em ignorar a herança histórica do Brasil escravocrata. O que ofende mesmo é esquecer que a Lei Áurea não trouxe a liberdade em seu sentido pleno, pois os ancestrais de grande parcela da população negra continuaram sem receber nada pela sua força de trabalho, restando-lhes as beiradas da sociedade como moradia. Seus filhos, seus netos, seus bisnetos e seus tataranetos continuam ali, às margens: nas periferias, nos subempregos, nas favelas, nos orfanatos, nas prisões.

Gostaria de deixar claro que estou me referindo a uma maioria comprovada por estatísticas e por análises a olho nu, e não generalizando a imagem que todo negro é pobre e de que todo pobre é bandido. Mas sim, reafirmando que a cor da pele ainda faz com que o buraco seja sempre mais embaixo.

Se, hoje, eu me considero uma exceção, é porque meus pais foram uma exceção, porque meus avós foram uma exceção, porque meus bisavós foram uma exceção. Minha família se construiu no “01 a cada 10″. Mas meus tataravós não. Eles foram reféns de sua própria condição de existência, tiveram sua cidadania, cultura e religião reduzidas. Em 1800 e pouco, não havia a opção de traçar o próprio caminho, não existia auxilio do governo, não existia cotas.

Quanto a mim, continuarei sendo uma exceção até as minhas próximas gerações não o serem; até a maior parte da população carcerária não ter o mesmo tom de pele que o meu; até os hospitais, escolas particulares, universidades, shoppings Iguatemis, e tantos outros espaços privados da elite brasileira estiverem tão definidos por um só tom. E se eu e a minha família somos exceções, é porque a regra existe. E a regra está muito clara na nossa sociedade, basta perguntar para a família dos milhares de Amarildos.


Maíra Souza é graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP, Analista de Energias Renováveis e colunista do blog Esparrela. Colaborou para Pragmatismo Politico.


Fonte:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/racismo-como-e-ser-1-em-cada-10.html

Frei Betto: é preciso acabar com a “inconsciência branca”


No Brasil, o preconceito à negritude deita raízes na mais longa história de escravidão das três Américas: 350 anos! Ainda que, hoje, nossas leis condenem a discriminação, sabem os negros que, aqui, eles são duplamente discriminados: por serem negros e pobres

Frei Betto

Por ser data de comemoração de Zumbi dos Palmares (1655-1695), último líder heróico do mais importante quilombo brasileiro, 20 de novembro é dedicada à Consciência Negra. É também Dia da Inconsciência Branca. Foram as armas que deram aos colonizadores europeus o poder opressor sobre as nações da África negra. Em nome de Deus e de um projeto civilizatório, invadiram o continente africano e submeteram o seu povo ao jugo da escravidão.

Obrigado a aceitar o batismo cristão, a marca do sacramento era gravada nas peles negras a ferro e fogo. O propósito, livrá-los, após esta vida, das chamas eternas do Inferno, por culpa de suas crenças animistas e rituais eróticos. Destinava-os, porém, nesta Terra, ao suplício do trabalho árduo, das sevícias, das chibatas, das torturas e da morte atroz.


De tal arrogância se nutria a inconsciência branca que, ao qualificar de raça a mera diferença de coloração epidérmica, elevou-a à categoria de pretensa ciência. Buscou-se na Bíblia a caricatura de um deus maldito que, após o Dilúvio Universal, teria criado a descendência negra da Cam (Cão), um dos filhos de Noé.

No Brasil, o preconceito à negritude deita raízes na mais longa história de escravidão das três Américas: 350 anos! Ainda que, hoje, nossas leis condenem a discriminação, sabem os negros que, aqui, eles são duplamente discriminados: por serem negros e pobres. Ao escravo liberto se negou o acesso à terra, que ele tão bem sabia cultivar. Impediu-se ainda o acesso à carreira eclesiástica, aos quartéis (exceto como soldado e bucha de canhão na guerra do Brasil contra o Paraguai), às escolas particulares.

Na década de 1950, no Colégio Dom Silvério, em Belo Horizonte, ouvi irmão Caetano Maria, procedente de Angola, apregoar na sala de aula que negros eram inaptos à matemática e às ciências abstratas, vocacionados à música e aos trabalhos manuais…

A inconsciência branca viceja, ainda hoje, na promoção turística da mulata carnavalesca, ela sim liberada, por leis e censores, a exibir em público seu corpo nu.

É a inconsciência branca que protesta contra o direito de cotas para negros nas universidades; encara com suspeita o negro encontrado em espaços predominantemente ocupados por brancos; induz a polícia a expor garras ferozes ao revistar jovens negros.

O profetismo heróico de Zumbi, Mandela, Luther King e tantos outros, ainda não logrou descontaminar nossa cultura do ranço do preconceito e da discriminação. Quantos executivos negros ocupam cargos de direção em nossas empresas? Apenas 5,3%. Quantos garçons e chefs de cozinha? Quantos apresentadores de TV e animadores de auditório?

A violência com que médicos brasileiros, todos brancos, submeteram, em Fortaleza, “ao corredor polonês da xenofobia” – na expressão do ministro Padilha, da Saúde – o médico cubano Juan Delgado, um negro, a quem a presidente Dilma pediu desculpas em nome do povo brasileiro, bem comprova a inconsciência branca.

Esta inconsciência também adota o preconceito às avessas. Festejou-se a eleição de Obama, o primeiro negro na Casa Branca, como uma pá de piche (cal é branco…) na política terrorista do presidente Bush. Esqueceu-se que Obama, antes de ser negro, é estadunidense, convencido do direito (divino?) de supremacia dos EUA sobre as demais nações do mundo.

Por que haveria ele de pedir desculpas por espionar a presidente Dilma se não está disposto a abdicar dessa violação? Obama é tão guerreiro e cínico quanto Bush.

Com frequência vemos o preconceito às avessas expressar-se na negação da negritude, como se ela fosse um estigma, através de eufemismos como afrodescendente. Sou branco, embora traga nas veias sangue indígena e negro, e nunca me chamaram de iberodescendente ou eurodescendente.

A data de 20 de novembro deveria ser comemorada nas escolas com lições históricas sobre o preconceito e discriminação, e depoimentos de negros. De nossa população carcerária, hoje beirando 500 mil detentos, 74% são negros. Nos EUA, de cada 11 presos, apenas 1 é branco.

Só a Consciência Negra é capaz de combater a inconsciência branca e despertá-la, tornando hediondos todos os crimes de preconceito e discriminação.


Fonte:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/frei-betto-inconsciencia-branca.html

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Por que prender Zé Dirceu não vai mudar o Brasil


Por que prender Zé Dirceu não vai mudar o Brasil
Ou: é o financiamento público de campanha, estúpido!


O financiamento público de campanha é bombardeado pela mídia conservadora

Não vejo como algo “normal” que o PT tenha feito caixa 2 para eleger Lula em 2002. Não acho “normal” que o PT, partido que cresceu prometendo ser diferente dos demais, tenha agido igualzinho aos outros. Sim, acho justo que políticos comecem a pagar por estes erros. Mas não, não acho que a prisão de José Dirceu é, como pinta a grande imprensa, um acontecimento capaz de mudar toda a maneira como se faz política no Brasil. Como se a prisão de uma só pessoa fosse uma espécie de derrubada das torres gêmeas da corrupção. Isso é mentira, um artifício para manipular o eleitor contra o PT e encobrir algo muito maior que Dirceu.

Escrevo para você, vítima do mau jornalismo de veículos que colocam o ex-ministro da Casa Civil de Lula na capa, com ares de demônio, e promovem biografias mal-escritas onde Zé Dirceu é pintado como “o maior vilão do Brasil”. Você, que se empolga com as manifestações quando elas ganham espaço na mídia, mas não vai a fundo nas questões quando passa a modinha. Você, que repete chavões ouvidos no rádio e na televisão contra a corrupção, embora ache política um assunto chato e fuja de leituras mais aprofundadas sobre as razões pelas quais a tal roubalheira existe. Eu vou tentar te explicar.

Zé Dirceu e os “mensaleiros”, ao contrário do que estes orgãos de desinformação tentam lhe convencer, não são a causa da corrupção na política, mas a consequência dela. Infelizmente, no Brasil, para eleger um político é preciso ter dinheiro, muito dinheiro. E é preciso fazer alianças com Deus e o diabo. Não foi Zé Dirceu que inventou isso, é a forma como a política é feita no país que leva a essa situação. As campanhas são financiadas com dinheiro de empresas, bancos, construtoras. Você daria milhões a um político? E se desse, não ia querer nada em troca? Para você ter uma ideia de como são as coisas, o verdadeiro erro do PT neste episódio foi não declarar, nas prestações de contas eleitorais, que estava dando dinheiro para outro partido. Declarando, dar dinheiro a outro partido é perfeitamente legal, imagine!

Nenhum destes órgãos de imprensa que crucificam Dirceu foi capaz de explicar para seus leitores que só o financiamento público de campanha poderia interromper este círculo vicioso em que entrou a política nacional desde a volta da democracia: rios de dinheiro saem de instituições privadas para todos os candidatos durante as eleições. Em 2010, a candidata vencedora Dilma Rousseff, do PT, arrecadou 148,8 milhões de reais de construtoras, bancos, frigoríficos, empresas de cimento, siderurgia. O candidato derrotado José Serra, do PSDB, arrecadou 120 milhões de reais também de bancos, fabricantes de bebidas, concessionárias de energia elétrica.

Quem, em sã consciência, acredita que um político possa governar de maneira independente se está financeiramente atrelado aos maiores grupos econômicos do país, em todos os setores? Muitos especialistas defendem que esteja nessa promiscuidade da política com o capital privado a origem da corrupção. Eu concordo. Não existe almoço grátis. Só um ingênuo poderia achar que estas empresas, ao doarem milhões a um candidato, não intencionam se beneficiar de alguma forma dos governos que ajudam a eleger. Prender José Dirceu não vai mudar esta realidade.

Se, na próxima semana, o ministro Joaquim Barbosa decretar a prisão imediata dos “mensaleiros” e isto fizer você pular de alegria, lembre-se do velho ditado: “alegria de pobre dura pouco”. Enquanto José Dirceu estiver na cadeia, pagando, justa ou injustamente, pelos erros da política nacional, as mesmas coisas pelas quais ele foi condenado estarão acontecendo aqui fora. A prática nefasta do caixa 2, por exemplo, não vai presa junto com Dirceu. As negociatas no Congresso não vão para detrás das grades. As alianças com o conservadorismo, com o agronegócio, com as empreiteiras, continuarão livres, leves e soltas.

Sem uma reforma profunda, todos os males da política continuarão a existir no Brasil a despeito da prisão de Dirceu ou de quem quer que seja. Leia o noticiário, veja se a reforma, a despeito das promessas após as manifestações de junho, está bem encaminhada. Que nada! Ao contrário: o financiamento público de campanha foi o primeiro item da reforma política a ser escamoteado pelos congressistas. Não interessa aos políticos que o financiamento privado acabe –e, não sei exatamente por que, tampouco interessa à grande imprensa. Nem um só jornal defende outra forma de financiar a política a não ser a que existe hoje, bancada pelo dinheiro das mesmas empresas que irão lucrar com os governos. Uma corrupção em si mesma.

O financiamento público de campanha poderia reduzir, por exemplo, os gastos milionários dos candidatos em superproduções para aparecerem atraentes ao público no horário gratuito de televisão, como se fizessem parte da programação habitual do canal. Político não é astro de TV. O correto seria que eles aparecessem tal como são, sem maquiagem. Sem tanto dinheiro rolando, também acabaria um hábito nefasto que até o PT incorporou nas últimas campanhas: pagar cabos eleitorais para agitarem bandeiras nos semáforos. Triste da política e dos políticos quando precisam trocar o afeto de uma militância genuína por desempregados em busca de um trocado.

Sinto dizer a você, mas a única diferença que haverá para a política nacional quando José Dirceu for preso é que ele estará preso. Nada mais. E sinto muito destruir outra ilusão sua, mas tampouco mudará a política brasileira a morte de José Sarney, que vejo muita gente por aí comemorando por antecipação. O buraco é mais embaixo e muito mais profundo. Eu pessoalmente trocaria a morte de Sarney e a prisão de Dirceu por um Brasil que soubesse escolher melhor seus representantes. E fosse capaz, neste momento, de lutar pelo que de fato pode revolucionar a política: o financiamento público de campanha. Alguém está disposto ou a prisão de Zé Dirceu basta?

Cynara Menezes é jornalista e editora do blog Socialista Morena.


Fonte:http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/por-que-prender-ze-dirceu-nao-vai-mudar-o-brasil/662459/

domingo, 17 de novembro de 2013

Jesse Jackson: desigualdade racial ainda está muito presente nos EUA


 


O reverendo, que militou ao lado de Martin Luther King na luta pelos direitos civis, participa de debate no Rio com Gilberto Gil

Por Leonardo Cazes

Cinquenta anos após o histórico discurso “Um sonho”, de Martin Luther King, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos continua no velho e em novos fronts: combate à pobreza, defesa do casamento gay e o fim do envolvimento americano em guerras pelo mundo estão na pauta do reverendo Jesse Jackson. Aos 72 anos, ele mantém o mesmo entusiasmo de quando abandonou o Seminário Teológico de Chicago para se juntar a King no Movimento pelos Direitos Civis e afirma, em entrevista ao GLOBO, que, apesar dos avanços, a desigualdade entre negros e brancos permanece forte no país. Jackson vai participar, hoje, às 18h, da conferência “A democratização e o desenvolvimento da África”, junto com Gilberto Gil, no festival Back2Black, na Cidade das Artes.

— Quando Martin Luther King fez o seu discurso, em 1953, o sonho de que falava era que a promessa, não cumprida até então, fosse honrada. Naquela época, a maioria dos afroamericanos não podiam votar nem utilizar serviços públicos. Nós tínhamos liberdade, mas não tínhamos igualdade de direitos. Éramos livres para sermos humilhados — diz Jackson. — A desigualdade no acesso ao emprego, ao dinheiro, ao sistema de saúde, à justiça e à moradia continua muito presente. Somos a maioria nas prisões, mas não nas nossas universidades.

A principal atividade, hoje, do reverendo é o comando da Rainbow PUSH Coalition, uma organização que mantém viva a luta pelos direitos civis. Recentemente, o grupo trabalhou fortemente pela reversão do resultado do julgamento do assassino de Trayvon Martin. Martin, um adolescente negro, foi morto pelo segurança George Zimmerman em um condomínio na Flórida, em fevereiro do ano passado. Em julho deste ano, Zimmerman foi inocentado das duas acusações de homicídio, com a justificativa de ter agido em legítima defesa, gerando grande comoção na comunidade negra.

Elogio a Obama

Jackson, que chegou a disputar, sem sucesso, as primárias do Partido Democrata em 1984 e 1988 para ter o direito de concorrer à presidência, é apoiador de primeira hora do presidente Barack Obama. Ferrenho defensor do Obamacare, a reforma da saúde feita pelo presidente que amplia cobertura para os mais pobres, ele critica duramente os republicanos, que paralisaram o país durante três semanas numa luta pela sua revogação, e faz uma avaliação positiva do mandato.

— Nos cinco anos em que ele está na Casa Branca, Obama enfrentou muitas resistências por parte dos republicanos. Então, ele está fazendo um bom trabalho frente a tamanha resistência.

O reverendo afirmou estar muito honrado de vir ao Brasil, “o país mais africano fora da África”. Sobre o debate com Gilberto Gil, ele disse que os Estados Unidos deveriam elaborar uma espécie de Plano Marshall para o continente africano. Jackson, entretanto, condenou práticas culturais tradicionais em alguns países que envolvem violências contra mulheres e crianças.

— É preciso respeitar as mulheres e as crianças. Não podemos discriminar nenhum ser humano em nome da religião.


Fonte:http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/11/16/jesse-jackson-desigualdade-racial-ainda-esta-muito-presente-nos-eua-515277.asp

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Defensor da "supremacia branca" descobre que tem DNA africano ao vivo na TV


Neonazista fica com cara de tacho ao descobrir que apenas parte de seus genes são europeus..



O vídeo que você está prestes a assistir mostra a impagável reação de Craig Cobb, um fervoroso defensor da supremacia branca que decidiu se submeter a um exame de DNA para provar que era 100% branco. O resultado do teste foi apresentado ao vivo durante um programa de TV, e o que ele revelou certamente não agradou nadinha ao convidado. Confira:

O clipe está em inglês, mas não se preocupe, pois o conteúdo será explicado a seguir.

Para a surpresa de Cobb, o teste revelou que 86% dos genes do branquelo são europeus, e que os restantes 14% são africanos subsaarianos! Melhor ainda do que a cara de tacho do racista foram as gargalhadas da outra convidada, que é negra. Aliás, é tão absurdo que a ideia de supremacia étnica ainda exista em um mundo tão miscigenado como o nosso, que só podemos fazer coro às risadas descontroladas da outra participante do programa.

Visivelmente chocado, Craig ainda tenta argumentar sobre o resultado do exame, mas é prontamente cortado pela apresentadora Trisha Goddard, que diz a Cobb que ele tem um pouco de negro dentro dele, e até o chama de “Bro”. De acordo com o The Huffington Post, Cobb, de 62 anos de idade, é o idealizador de uma iniciativa que pretende transformar uma cidade da Dakota do Norte, nos EUA, em um reduto para neonazistas e supremacistas brancos.

Entretanto, Craig possivelmente será banido de seu próprio grupinho, além de ter se tornado motivo de piada no mundo inteiro. E muito bem-feito, você não acha, leitor?


Assistam o VÍDEO NO LINK na fonte da matéria


Fonte:http://www.megacurioso.com.br/comportamento/39952-defensor-da-supremacia-branca-descobre-que-tem-dna-africano-ao-vivo-na-tv.htm


Ser negro no Brasil hoje






Ser negro no Brasil hoje

Ética enviesada da sociedade branca desvia enfrentamento do problema negro

Milton Santos

http://www.ige.unicamp.br/~lmelgaco/santos.htm

Há uma frequente indagação sobre como é ser negro em outros lugares, forma de perguntar, também, se isso é diferente de ser negro no Brasil. As peripécias da vida levaram-nos a viver em quatro continentes, Europa, Américas, África e Ásia, seja como quase transeunte, isto é, conferencista, seja como orador, na qualidade de professor e pesquisador. Desse modo, tivemos a experiência de ser negro em diversos países e de constatar algumas das manifestações dos choques culturais correspondentes. Cada uma dessas vivências foi diferente de qualquer outra, e todas elas diversas da própria experiência brasileira. As realidades não são as mesmas. Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas). Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito.

500 anos de culpa

Agora, chega o ano 2000 e a necessidade de celebrar conjuntamente a construção unitária da nação. Então é ao menos preciso renovar o discurso nacional racialista. Moral da história: 500 anos de culpa, 1 ano de desculpa. Mas as desculpas vêm apenas de um ator histórico do jogo do poder, a Igreja Católica! O próprio presidente da República considera-se quitado porque nomeou um bravo general negro para a sua Casa Militar e uma notável mulher negra para a sua Casa Cultural. Ele se esqueceu de que falta nomear todos os negros para a grande Casa Brasileira. Por enquanto, para o ministro da Educação, basta que continuem a frequentar as piores escolas e, para o ministro da Justiça, é suficiente manter reservas negras como se criam reservas indígenas. A questão não é tratada eticamente. Faltam muitas coisas para ultrapassar o palavrório retórico e os gestos cerimoniais e alcançar uma ação política consequente. Ou os negros deverão esperar mais outro século para obter o direito a uma participação plena na vida nacional? Que outras reflexões podem ser feitas, quando se aproxima o aniversário da Abolição da Escravatura, uma dessas datas nas quais os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública, mas quase solitária, sua catarse anual?

Hipocrisia permanente

No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo. Desse modo, toda discussão ou enfrentamento do problema torna-se uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário. Veja-se o tempo politicamente jogado fora nas discussões semânticas sobre o que é preconceito, discriminação, racismo e quejandos, com os inevitáveis apelos à comparação com os norte-americanos e europeus. Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é? Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambiguidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica.

Marcas visíveis

Que fazer? Cremos que a discussão desse problema poderia partir de três dados de base: a corporeidade, a individualidade e a cidadania. A corporeidade implica dados objetivos, ainda que sua interpretação possa ser subjetiva; a individualidade inclui dados subjetivos, ainda que possa ser discutida objetivamente. Com a verdadeira cidadania, cada qual é o igual de todos os outros e a força do indivíduo, seja ele quem for, iguala-se à força do Estado ou de outra qualquer forma de poder: a cidadania define-se teoricamente por franquias políticas, de que se pode efetivamente dispor, acima e além da corporeidade e da individualidade, mas, na prática brasileira, ela se exerce em função da posição relativa de cada um na esfera social.
Costuma-se dizer que uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá existe uma linha de cor e aqui não. Em si mesma, essa distinção é pouco mais do que alegórica, pois não podemos aqui inventar essa famosa linha de cor. Mas a verdade é que, no caso brasileiro, o corpo da pessoa também se impõe como uma marca visível e é frequente privilegiar a aparência como condição primeira de objetivação e de julgamento, criando uma linha demarcatória, que identifica e separa, a despeito das pretensões de individualidade e de cidadania do outro. Então, a própria subjetividade e a dos demais esbarram no dado ostensivo da corporeidade cuja avaliação, no entanto, é preconceituosa.
A individualidade é uma conquista demorada e sofrida, formada de heranças e aquisições culturais, de atitudes aprendidas e inventadas e de formas de agir e de reagir, uma construção que, ao mesmo tempo, é social, emocional e intelectual, mas constitui um patrimônio privado, cujo valor intrínseco não muda a avaliação extrínseca, nem a valoração objetiva da pessoa, diante de outro olhar. No Brasil, onde a cidadania é, geralmente, mutilada, o caso dos negros é emblemático. Os interesses cristalizados, que produziram convicções escravocratas arraigadas, mantêm os estereótipos, que não ficam no limite do simbólico, incidindo sobre os demais aspectos das relações sociais. Na esfera pública, o corpo acaba por ter um peso maior do que o espírito na formação da socialidade e da sociabilidade.
Peço desculpas pela deriva autobiográfica. Mas quantas vezes tive, sobretudo neste ano de comemorações, de vigorosamente recusar a participação em atos públicos e programas de mídia ao sentir que o objetivo do produtor de eventos era a utilização do meu corpo como negro -imagem fácil- e não as minhas aquisições intelectuais, após uma vida longa e produtiva. Sem dúvida, o homem é o seu corpo, a sua consciência, a sua socialidade, o que inclui sua cidadania. Mas a conquista, por cada um, da consciência não suprime a realidade social de seu corpo nem lhe amplia a efetividade da cidadania. Talvez seja essa uma das razões pelas quais, no Brasil, o debate sobre os negros é prisioneiro de uma ética enviesada. E esta seria mais uma manifestação da ambiguidade a que já nos referimos, cuja primeira consequência é esvaziar o debate de sua gravidade e de seu conteúdo nacional.

Olhar enviesado

Enfrentar a questão seria, então, em primeiro lugar, criar a possibilidade de reequacioná-la diante da opinião, e aqui entra o papel da escola e, também, certamente, muito mais, o papel frequentemente negativo da mídia, conduzida a tudo transformar em "faits-divers", em lugar de aprofundar as análises. A coisa fica pior com a preferência atual pelos chamados temas de comportamento, o que limita, ainda mais, o enfrentamento do tema no seu âmago. E há, também, a displicência deliberada dos governos e partidos, no geral desinteressados do problema, tratado muito mais em termos eleitorais que propriamente em termos políticos. Desse modo, o assunto é empurrado para um amanhã que nunca chega.
Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida".
Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil.


Artigo escrito por Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Fonte: Folha de S.Paulo - Mais - brasil 501 d.c. - 07 de maio de 2000



Fonte:http://antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=527

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Claudio Vitorino em ação..

Aquele que acredita que o interesse coletivo está acima do interesse individual , que acredita que tudo e possível desde que tenha fé em Deus e coragem para superar os desafios...

Vida difícil? Ajude um estranho .

Pode parecer ilógico -no mínimo pouco prioritário- ajudar um estranho quando as coisas parecem confusas na nossa vida. Mas eu venho aprendendo que este é um poderoso antídoto para os dias em que tudo parece fora do lugar.

Como assim, pergunta o meu leitor mais cético? E eu explico:
Há duas situações clássicas onde podemos auxiliar uma pessoa que não conhecemos. A primeira é através de doações e gestos similares de caridade. Estes atos são maravilhosos e muito recomendáveis, mas não é deles que quero falar hoje.


Escolhi o segundo tipo: aquelas situações randômicas onde temos a oportunidade de fazer a diferença para uma pessoa desconhecida numa emergência qualquer. Na maioria das vezes, pessoas com quem esbarramos em locais públicos, envolvidas em situações que podem ir do estar atrapalhado até o precisar de mãos para apagar um incêndio.

E o que nós, imersos nas nossas próprias mazelas, distraídos por preocupações sem fim amontoadas no nosso tempo escasso, enfim, assoberbados como sempre... O que nós temos a ver com este ser humano que pode ser bom ou mau, pior, pode sequer apreciar ou reconhecer nosso esforço?


Eu vejo pelo menos seis motivos para ajudar um estranho:


1) Divergir o olhar de nossos próprios problemas
Por um momento, por menor que seja, teremos a chance de esquecer nossas preocupações.
Dedicados a resolver o problema do outro (SEMPRE mais fácil do que os nossos), descansamos nossa mente. Ganhamos energia para o próximo round de nossa própria luta.
Esta pausa pode nos dar novo fôlego ou simplesmente ser um descanso momentâneo.


2) Olhar por um outro ângulo
Vez ou outra, teremos a oportunidade de relativizar nossos próprios problemas á luz do que encontramos nestes momento. Afinal, alguns de nossos problemas não são tão grandes assim...
Uma vez ajudei Teresa, a senhora que vende balas na porta da escola de meu filho. A situação dela era impossível de ser resolvida sozinha, pois precisava “estacionar” o carrinho que havia quebrado no meio de uma rua deserta. Jamais esquecerei o olhar desesperado, a preocupação com o patrimônio em risco, com o dia de by Savings Sidekick">trabalho desperdiçado, com as providências inevitáveis e caras. E jamais me esquecerei do olhar úmido e agradecido, apesar de eu jamais ter comprado nada dela. Nem antes nem depois.
Olhei com distanciamento o problema de Teresa. E fiquei grata por não ter que trabalhar na rua, por ter tantos recursos e by Savings Sidekick">oportunidades. E agradeci por estar lá, naquela hora, na rua de pouco movimento, e poder oferecer meus braços para ela.


3) Não há antes, nem depois ...
Na intricada teia de nossos by Savings Sidekick">relacionamentos, dívidas e depósitos se amontoam. Ajudar um conhecido muitas vezes cria vínculos ou situações complexas. Ás vezes, ele espera retribuir. Outras vezes, esperamos retribuição. Se temos ressentimentos com a pessoa, ajudá-la nem sempre deixa um gosto bom na boca. Se ela tem ressentimentos conosco, fica tudo muito ruim também.
Já com estranhos são simples. É ali, naquela hora. Depois acabou. E não há antes. Que alívio!
(mas não vamos deixar de ajudar os conhecidos dentro de nossas possibilidades, hein?)


4) A gratidão pelo inesperado é deliciosa
Quem se lembra de uma vez em que recebeu uma gentileza inesperada? Não é especial? E nem sempre estamos merecendo, mal-humorados por conta do revés em questão.
Ou quando ajudamos alguém e recebemos aquele olhar espantado e feliz?
Ontem mesmo, eu estava numa fila comum de banco. Um senhor bem velhinho estava atrás de mim. Na hora em que fui chamada, pedi que ele fosse primeiro. “Mas por que, minha filha?”. “Pelos seus cabelos brancos”, respondi. Ele, agradecido, me deu uma balinha de hortelã. Tudo muito singelo, muito fácil de fazer, mas o sentimento foi boooom.


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Uma vez eu fiquei envolvida por uma semana com uma mãe e um bebê que vieram para São Paulo para uma cirurgia e não tinha ninguém para esperar no aeroporto. Levei para um hotel barato, acompanhei por uma semana e tive medo de estar sendo usada, reforçada pelo ceticismo de muitas pessoas ao meu redor. No final, deu tudo certo e a história era verdadeira.
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Fonte:http://www.vivermaissimples.com/2011/03/vida-dificil-ajude-um-estranho.html

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